quinta-feira, 23 de março de 2017

Você tem sede de quê?

No ano de 1987 a banda Titãs fazia as seguintes perguntas:

Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?

E eles seguiam dizendo:

A gente não quer só comida 
A gente quer comida 
Diversão e arte

Hoje, exatos trinta anos depois e com as redes sociais ditando as regras, eu faço essa pergunta à você, amigo leitor: “Você tem sede de quê?”

O que sacia sua sede nas redes sociais? Já parou para pensar nisso alguma vez? Eu já. E muitas.

Eu fico olhando a minha timeline, principalmente no Facebook, para tentar entender se há alguma lógica, mas a cada dia eu fico mais confuso.





Consumo muito podcast, canais no YouTube, páginas de notícias e etc. Sigo alguns blog de diversos assuntos, e sites como o Medium, onde há textos dos mais diversos tipos e autores. Leio até mesmo algo que sou contra, ideias que vão contras as minhas, para saber se eu posso realmente ter base ou argumento para as minhas.

Claro que gosto de alguns memes, bobeiras, vídeos daquele cara que caiu da escada e e outros do tipo, sou humano também (pode não parecer, mas sou). Mas quando vejo, leio ou ouço alguma coisa interessante e sinto que pode desenvolver uma linha de pensamento, um debate, a minha primeira reação é compartilhar esse conteúdo, todo feliz e serelepe.

Após isso fico esperando aparecer uma notificação no celular para aquela postagem. Quando ela aparece vou correndo ver. E foi para o vídeo do cara caindo da escada. Aguardo mais um pouco. E nada. Acabo deixando pra lá. Dia seguinte a primeira coisa que faço é olhar aquele post e ver o que aconteceu enquanto eu fiquei ausente. Ouço grilos. Não há nada. “Não é possível!”. Sim, foi possível. Nada, nadinha… Penso em deixar pra lá, mas quando aparece outra coisa interessante faço o mesmo. E o mesmo acontece.


Sim, há raros casos onde algo acontece. Mas normalmente são das pessoas que eu já sei que vão ver, que vão gostar ou que sempre acompanham. Mas, e o resto. Cadê as outras 597 pessoas?

Mas você pode estar pensando que sou chato e reclamão. Que estou de mimimi por não ser relevante no mundo virtual e tal. Sim e não. Isso não é um pensamento somente meu. Vejo em outros canais, blogs e sites, seus produtores reclamando do mesmo. Há canais que que os proprietários se esmeram em levar conteúdo bom, relevante e muito bem feito. Desde de um ótimo roteiro até uma edição quase que profissional, mas eles também sofrem com isso.

Um vídeo de alguém fazendo compras do Walmart nos Estados Unidos e comparando os preços com o Brasil faz mais sucesso do que um vídeo com um conteúdo muito bem produzido falando desde um livro até a situação do nosso país passando pela ciência. As pessoas preferem consumir um vídeo de um cara numa banheira de Nutella ou um fazendo “pegadinha” no outro, do que um vídeo falando das capacidades de um vereador, ou da resenha de um livro ou sobre uma nova descoberta científica. Sem contar os vídeos e matérias falsas que viralizam de uma maneira incrivelmente rápida.

E isso tudo reflete nas redes sociais. Chega um momento que temos que filtrar o que vemos, o que aparece nas nossas “linhas do tempo”.

Dia desses ouvi em um podcast onde um dos apresentadores citou algo que alguém disse sobre “Meu Facebook é uma porcaria!”. Bom, se é uma porcaria é porque você deixou ficar assim, já que você tem o poder de escolha do que pode aparecer ou não. Se aparece para você, é que você gosta ou tem interesse. Simples assim.

Vejo muitos reclamando da situação do país, que estamos perdendo nossos direitos, que o governo cada vez mais entra em nossas vidas e nos diz como devemos viver. Mas ai eu pergunto: O que você faz? (além de xingar muito nas redes sociais?).

Foi procurar saber se aquele post que fala que você vai perder seus direitos da CLT é verdade?
Foi pesquisar a respeito daquele político que você defende ferrenhamente se ele tem algo que pode ir contra toda sua oratória?Por acaso entende o que é direita e esquerda?

Sabe quais são seus deveres, ao invés de gritar apenas pedindo direitos?Já foi falar com aquele seu parente que recebe Bolsa-Família sem necessidade que ele está tirando de quem precisa?

Pensou alguma vez em dar uma volta no quarteirão ou parar um pouco antes da escola para deixar seu filho ao invés de atrapalhar outras pessoas?

Já imaginou que louco seria não votar naquele político que pede seu voto e que você sabe que está envolvido em diversas maracutaias, que os projetos dele são para criar feriados, dar nome à ruas, dar a chave da cidade ou título de cidadão para alguém? Durante quantos anos ele faz isso, e você nunca percebeu?

São tantas coisa que esse texto teria que ser separado em capítulos.

É muito fácil reclamar e exigir direitos, quando deixamos para lá nossos deveres. É muito mais prático ignorar um podcast, vídeo, ou texto que poderia fazer alguém pensar e ver o vídeo de um gatinho fofo fazendo carinho no dono. Ou daquele moleque que enfiou a cara do amigo no bolo de aniversário.


Depois de tudo isso, é muito, mas muito mais fácil, sentar na poltrona e deixar que o William Bonner fale tudo que de “importante” houve no Brasil e no Mundo. E no dia seguinte, naquele café com os “amigos” da empresa, você chega todo bravo dizendo que nossos direitos foram roubados, ou que uma pessoa de um partido está estragando um país inteiro com mais de 200 milhões de habitantes e esquece que abaixo dessa “única pessoa” existem outros milhares que decidem as coisas por você. Que estão pouco se lixando para o que você pensa ou acha.

Enquanto isso, o cara na banheira de Nutella, o amigo que enfia a cara do outro no bolo ou aquele que mostra os preços do Walmart nos Estados Unidos e fala como é bem melhor morar lá do que aqui, recebe mais atenção (likes, views, “uárever”!) do que aquele cara que criou um ótimo texto, fez um ótimo vídeo ou um podcast incrível.

Então, eu torno a perguntar:

Você tem fome de quê?
Você tem sede de quê?

Um comentário:

  1. Reflexão excelente! Estamos vivendo a era do raso, do superficial. E as razões para isso são inúmeras e das mais diversas ordens. Só torço para que quando a humanidade se conscientizar disso, ainda dê tempo de consertar.

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