segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Internet, histeria e achocolatados



Em 30 de Outubro de 1938, vésperas do Halloween, Orson Welles transmitiu pela rádio CBS a invasão de marcianos no planeta Terra. 


Orson Welles na rádio CBS
Por cerca de uma hora, mais de 1,2 milhões de pessoas acreditaram que o planeta Terra estava sendo invadido, durante essa hora, o pânico tomou conta dos arredores de Nova Jersey, onde estaria o foco da invasão. Por cerca de uma hora, pessoas desesperadas, fugiam e buscavam abrigos, as linhas telefônicas ficaram congestionadas. O pânico tomou conta da população. Mesmo que ninguém estivesse vendo absolutamente nada. Eles acreditavam piamente na invasão. 

Depois foi divulgado que essa transmissão, que contava com repórteres no local e testemunhas do evento, nada mais era que uma dramatização da obra de Hebert George Wells, chamada A Guerra dos Mundos. Esse programa era a primeira parte de uma adaptação radiofônica produzida por Haward Koch e Paul Stewart

Imagine-se em Nova Jersey no ano de 1938 ouvindo esse programa e acreditando que tratava-se mesmo de uma invasão. O que faria você?
Como comprovar essa invasão? Como saber se tudo aquilo era realmente verdade? A primeira intenção é sair dali, correr para longe e tentar salvar-se

Estamos em 2016. Passados 78 anos, temos a internet. Uma ferramenta notável. Mas que pode ser usada tanto para o bem quanto para o mal. Se caso isso ocorra nos dias de hoje, com certeza não seria levado à sério. Seria considerado uma "pegadinha", ou "uma brincadeira de mal gosto" (já que hoje em dia tudo é de mal gosto). Praticamente impossível que nós pudéssemos acreditar em tal transmissão. Na hora iríamos procurar canais de notícias, tanto na internet quanto na tevê. Olharia o Twitter para ver o se no Trending Topics estaria a hastag #Invasão2016 ou mandaria um áudio via Whatsapp para um amigo ou familiar para colocar naquela estação e ouvir a pegadinha. 

Hoje (29) comecei a receber áudios a respeito de uma criança que morreu após tomar um "Toddynho". Nesse áudio não diziam onde estava, qual hospital estavam, qual cidade era, quem estava falando. Apenas diziam que duas crianças haviam morrido e um adulto estava no hospital por terem tomado um "Toddynho", mas que não era "Toddynho", era outro nome lá. Em outro, a pessoa dizia que deus havia salvado seu filho, pois ele ia tomar um "Toddynho" mas não tomou. Ou seja, essa criança é uma escolhida. E tiveram outros áudios e textos. Mas nenhum apresentava dados, informações concretas ou fontes confiáveis para que pudéssemos entender do que se tratava. E essas informações espalham-se como poeira ao vento. É incrível a velocidade de transmissão de algo que não sabemos absolutamente nada. Como disse, estamos em 2016. Estamos á um clique da informação, à um toque de dedo do smartphone para saber se algo é ou não real. 

Mas não foi só isso. Horas depois recebi vários outros áudios acompanhado de uma foto de um rapaz negro, onde diziam que ele entrava nas casas, dizendo-se vendedor de prata, e matava crianças. Ele tem uma meta de matar 30 crianças e está andando por todo o Brasil para poder matar essas 30 crianças. E no final do seu feito, ele cometerá suicídio. 

Esses mesmos áudios não continham maiores informações, nada. Em um deles, uma pessoa dizia ser "coisa do inimigo". Até pensei que se tratava de uma mensagem vinda de um dos Powers Rangers, mas percebi que não. Em outro, um homem dizia para guardarmos bem a "cara" do rapaz e chamarmos a polícia, caso cruzássemos com ele, ou até mesmo linchá-lo. Isso mesmo! Foi dito claramente isso. Mas não havia alguma informação a mais sobre isso. Não sabe-se se é verdade, quem é o rapaz, se ele é bandido ou não. Nada. 

Quantas pessoas se parecem com outras? Uma vez, minha própria mãe, brigou com um menino na rua por pensar que eu estaria na rua, ao invés de estar de castigo em casa. Realmente, na época, o rapaz era muito parecido comigo. Claro que o caso foi motivo de risos. Agora, imagine se uma pessoa está na rua e "acha" que viu o "cara" do Whatsapp e revolve fazer "justiça"? Será que já não vimos casos parecidos? Será que nunca vimos pessoas mortas por serem confundidas com outras e no final sabermos que nada essa pessoa tinha a ver com a outra, ou pior, tudo que havia sido falado sobre a pessoa era mentira. 



Hoje é fácil espalhar boatos e mentiras. E cabe à nós parar, pensar e analisar se é ou se pode ser verdade. Ao invés de clicar rapidamente no botão "compartilhar" da sua rede social ou aplicativo de mensagem, pare por alguns minutos e procure algo relacionado com a notícia. Se encontrar, envie junto a notícia ou onde achou. Não basta um "ah, passou na tevê". Onde está nosso discernimento nessas horas?

Toda essa histeria coletiva não leva a nada. No caso do "Toddynho", descobriu-se depois que a marca é Itambé, ou seja, todos falavam "Toddynho" sendo que marca era outra. Pense no ciclo de prejuízos que tal informação acarreta. Tudo ainda seria investigado, as caixas de achocolatado seriam examinadas, e após isso, laudos serão divulgados. À primeira impressão, disseram tratar de envenenamento, ou seja, um caso isolado. 

Não espalhe notícias se não tive certeza, procure fontes, informações que corroborem com essa informação. Há momentos que fico pensando se realmente somos "animais racionais" ou que estamos em 2016, ano que muitos achavam que não chegaríamos. 

Matéria de 26/08/2016 so site G1 sobre o caso. 

Matéria do site 24Horas News de Cuiabá, sobre a suspeita de envenenamento.

2 comentários:

  1. Texto incrível!
    Atualmente estou no 2° semestre de publicidade e propaganda, e essas reflexões são muito importantes no meio da comunicação social.
    Mas não só nisso, creio eu que todas as pessoas com fácil acesso aos meios de comunicação deveriam ter cuidados com esse tipo de coisa. Procurar informações concretas, enfim, tudo o que você disse e disse bem dito!
    Pra não falar muito, amei o texto, Zanotte, muito bom!

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    1. Muito obrigado, Rafa. Que bom que você gostou!
      Isso é algo que chama minha atenção e me incomoda ao mesmo tempo. Não é algo inédito nem será o final. Infelizmente não é algo tão fácil de ser arrumado, demanda tempo. Acho que se fizermos nossa parte podemos minimizar os problemas.
      Valeu a visita! Abraço.

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